segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Rilke

Acho que quem sabe ler, não lê muito, de fato. Saber ler, para mim, é ler com sabor. Não é um mero entender, mas uma experiência sinestésica. Não consegue ler muito, porque quando as palavras não são letras compostas, mas sim sentimentos(E é assim que elas devem ser), elas nos chegam como fisgadas. A fisgada é o breve e prazeroso momento de "entendimento". Prossegue-se então, a efervescência. E de uma linha, fazem-se mil idéias. De tal forma, que o livro se transpõe para dentro de nós com uma imponência insuportável, que nos obriga a fechá-lo. Sim, os bons livros são aqueles que frequentemente nos coagem a fechá-los, com a fisgada da sua solidão, afinal, compartilhar solidões é sempre uma experiência temerosa. Ouso até dizer que eles não são feitos para serem lidos, são, a priori, mero deleite do escritor, perdoem-me, deleite não, desafogamento. Um desafogo de idéias, que caem nas mãos da humanidade, quase como um incidente. São as linhas da razão, impressas, num gesto de desabafo. Creio que Rilke(E ele sempre me inspira verdades) quis dizer algo semelhante a isso ao aconselhar Kappus em “Cartas a um jovem poeta”:

“Procure trazer à tona as sensações submersas desde passado tão vasto; sua personalidade ganhará firmeza, sua solidão se ampliará e se tornará uma habitação a meia luz, da qual passa longe o burburinho dos outros.
E se desse ato de se voltar para dentro de si, desse aprofundamento em seu próprio mundo, resultarem versos, o senhor não pensará em perguntar a alguém se são bons versos.”


Toda boa literatura é um exercício de solidão. Todo livro valioso, poderia ser enterrado, pois a sua legitimidade, sem dúvida, independe do nosso possível apreço. Livros são como lágrimas, que enchem os olhos de alguém, mas vêm escorrer nas nossas faces.