sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Porvir

A morte não nos deixa saudosos do que tivemos em vida. Morrer é ter saudades do nosso porvir. É Lamentar o que nunca se fez. É balbuciar, no último suspiro, as palavras entaladas que, agora, só saem como um sopro triste e desgarrado do seu lar silencioso. É chorar não pela perda das imagens já vistas, mas pelos olhos, que agora só abrigam reflexos vazios. Não pelas músicas que já cantaram na alma, mas pelos ouvidos, que não sabem mais o que lhes chega. Não pelo apetite perdido, mas pela língua, sem doce, sem amargo, sem verbo. Pelas mãos gélidas, que moldariam o destino e mudariam o mundo, sem mais calores, sem mais poderes. As palavras arrancadas, as músicas acabadas, a escultura moldada, a semente plantada, não dói ao espírito que se esvai, pois onde o espírito tocou, jaz eterna memória. O que dói é aquilo que não foi feito. E o que dói mais ainda, é aquilo que nem sequer foi pensado. Junto ao sucumbir da carne, se desfazem sonhos, ainda não sonhados.