sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Porvir

A morte não nos deixa saudosos do que tivemos em vida. Morrer é ter saudades do nosso porvir. É Lamentar o que nunca se fez. É balbuciar, no último suspiro, as palavras entaladas que, agora, só saem como um sopro triste e desgarrado do seu lar silencioso. É chorar não pela perda das imagens já vistas, mas pelos olhos, que agora só abrigam reflexos vazios. Não pelas músicas que já cantaram na alma, mas pelos ouvidos, que não sabem mais o que lhes chega. Não pelo apetite perdido, mas pela língua, sem doce, sem amargo, sem verbo. Pelas mãos gélidas, que moldariam o destino e mudariam o mundo, sem mais calores, sem mais poderes. As palavras arrancadas, as músicas acabadas, a escultura moldada, a semente plantada, não dói ao espírito que se esvai, pois onde o espírito tocou, jaz eterna memória. O que dói é aquilo que não foi feito. E o que dói mais ainda, é aquilo que nem sequer foi pensado. Junto ao sucumbir da carne, se desfazem sonhos, ainda não sonhados.

4 comentários:

Anônimo disse...

A postagem está muito bem escrita e é muito inspiradora, mas seria chover no molhado falar da qualidade de seu texto ou do seu senso poético peculiar. Vamos ao tema. Em resumo, segundo você, na morte ou depois dela, o que se lamenta não é o que foi, mas o que poderia ter sido e já não será, o que se lamenta é a própria impossibilidade de ser de então por diante. Essa me parece uma pintura poética apropriada para certo gênero particular de morte. A morte daqueles que têm sede do porvir. Bom, claramente, nem todas as mortes são assim. Há os suicidas decididos, para quem a ausência de novas experiências vem antes como alívio que como lamento. Há os suicidas hesitantes, para quem a possibilidade de chamar a atenção dos que supsotamente os desprezavam ou de causar remorso aos que supostamente os feriam é mais importante que a eventual ausência do porvir de si: se satisfazem no amargor em que mergulham o porvir do outro. Há os que morrem de doença longa, de doença massacrante, de solidão doída, de abandono sem fim, aqueles para quem a vida um dia foi cheia de expectativas, mas cujas expectativas agora se dirigem para o fim dessa aflição em que a vida se tornou. Há os que morrem do peso de anos bem vividos, aqueles para quem a morte não chega nem cedo, nem tarde, mas justo a tempo de apanhá-los quando ainda sentem na boca o sabor suave do último gole do vinho da vida, no instante preciso em que não há mais motivo para sentir sede. Basicamente, na medida em que a morte se define como negação da vida, o tipo de morte que se vive depende do tipo de vida em que morreu. Não está sendo retratada antes de tudo a morte dos jovens (de corpo e/ou de espírito), a morto dos que querem a todo custo seguir vivendo?

Lívia (Liv´s de Lórien/Liv´s From Lórien) disse...

Nossa Camila, que lindo!
Entendi como o André, a morte descrita lamenta o que ainda se poderia viver, sentir, ser realizado, etc,. pelos jovens (de corpo e/ou espírito) e foi interrompido. Seria um lamento clássico da morte...?

PS. sobre o que vc escreveu sobre minha postagem, é aquilo mesmo que vc entendeu, literalmente!
Vc também sente isso as vezes então? Muito interessante...

Camila disse...

Obrigada pelas visitas e pelos comentários enriquecedores. André, a sua análise foi completa, de tal forma que só me resta agradecer pela leitura. Há, de fato, várias formas de se encarar a morte, o texto surgiu dessa idéia da morte como o sofrido banimento de toda nossa vida latente, o que não é necessariamente o que eu penso o tempo todo(o poeta é um fingidor!rs), até porque, parte de mim crê que há vida além da morte, vez ou outra ela briga com a parte cética, mas no final, elas se entendem. Sua metáfora do último gole do vinho da vida foi brilhante, e me fez lembrar uma frase do Sartre, que dizia algo como "existir é beber-se a si próprio, sem sede", sem dúvida, essa é uma forma bem diferente de se ver a morte. Enfim, o texto fala da morte vista por uma pequena brecha, há muitas outras, aliás, o que conhecemos da morte se resume a pequenas brechas mesmo, quem sabe o que há além daqui, e se há? Todo esse mistério que circunda a morte, e toda estranheza que o possível não-existir causa a nós, seres pensantes, e logo, conscientes do "sucumbir da carne" faz com que tenhamos infinitas formas de ver a morte(e aqui cabem religiões, filosofias e teorias sem fim). É certo que o suícida não deve ter muita sede de porvir, ou ao menos(e eu creio mais nisso) não está em um momento da vida capaz de pensar que o porvir possa render mais frutos bons do que ruins, e em um ato desesperado e momentâneo(porém irreversível) acaba com a vida, eu li em algum lugar que os suícidas, em um breve momento precedente da morte, se arrependem, geralmente quando não podem mais voltar atrás, confesso que achei a pesquisa meio estranha, até porque no caso, a fonte não é muito acessível, imagino que tenha sido feita com os que sobreviveram(caso contrário, só psicografia), mas eu acho mesmo que todos nós temos um forte instinto de vida, imagino que se um carro tentar atropelar o suícida convicto, este inevitávelmente se esquivará, ainda assim, inegávelmente as pessoas se suicidam, ai eu pergunto, há também, em nós um impulso de morte? Se for, há de ser um instinto eminentemente humano, pois não sei de animais que suicidam. Enfim, aguardo as teorias sobre o assunto. Psicologia, filosofia, e tudo mais que se dispor a explicar... André, isso foi pra ti, faz parte do fado de ser filósofo!:)

Anônimo disse...

Lembrei de Saramago, dizendo que tinha pena de morrer, que a vida era boa. De acordo com ele, de acordo contigo. Quando a gente morre, morre a cultura. O corpo que é natureza, segue nela, refeito. O que repousou na sua subjetividade nos anos em que tiveste consciência, fica, se você tiver perdido menos tempo buscando a transcendência metafísica e passado mais tempo buscando a transcendência no mundo dos homens, criando legados e obras. Afinal, a única vergonha de um ser humano deve ser a vergonha de não criar.