A morte não nos deixa saudosos do que tivemos em
vida. Morrer é ter saudades do nosso porvir. É Lamentar o que nunca se fez. É
balbuciar, no último suspiro, as palavras entaladas que, agora, só saem como um
sopro triste e desgarrado do seu lar silencioso. É chorar não pela perda das
imagens já vistas, mas pelos olhos, que agora só abrigam reflexos vazios. Não
pelas músicas que já cantaram na alma, mas pelos ouvidos, que não sabem mais o
que lhes chega. Não pelo apetite perdido, mas pela língua, sem doce, sem
amargo, sem verbo. Pelas mãos gélidas, que moldariam o destino e mudariam o
mundo, sem mais calores, sem mais poderes. As palavras arrancadas, as músicas
acabadas, a escultura moldada, a semente plantada, não dói ao espírito que se
esvai, pois onde o espírito tocou, jaz eterna memória. O que dói é aquilo que
não foi feito. E o que dói mais ainda, é aquilo que nem sequer foi pensado.
Junto ao sucumbir da carne, se desfazem sonhos, ainda não sonhados.
Vi o Aleph de todos os pontos, vi no Aleph a terra, vi o meu rosto e as minhas vísceras, vi o teu rosto e senti vertigem e chorei, porque os meus olhos tinham visto esse objecto secreto e conjectural cujo nome os homens usurparam, mas que nenhum homem olhou: o inconcebível universo.
sexta-feira, 8 de agosto de 2008
domingo, 20 de janeiro de 2008
Retratos escritos
"Quem sabe que o tempo está fugindo,
descobre subitamente a beleza única do momento que nunca mais será."
descobre subitamente a beleza única do momento que nunca mais será."
Ninguém se parece mais contigo
Que o teu retrato
Nele, não há a máscara
Que floreia o ato
Não há nada mais belo
Que o teu retrato
Pois nele, não és passível
Nele não és passável
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O retrato, guardador de instantes
Cristalizador dos detalhes
Guardou o tempo para mim
Nele mora, viva e eterna
A hora que não retorna
A hora que não se apaga.
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Ao olhar o retrato
Vi além da minúscula imagem
Que atravessou meus olhos
Vi o segundo que havia acabado de romper
Vi o instante frágil que precedia
O segundo seguinte
A imagem estática revelou-me então
O inconstante e móvel
A figura mostrava-me o movimento exato do vento
Embalando a dança das folhas
Uma folha estava caindo
Mas ainda não havia alcançado o chão
Minha memória sabia somente da folha já caída
Lembro-me que era noite enluarada
Mas só o retrato fiel
Mostrou-me o reflexo da lua
Tremendo na água
Olhar um retrato
é ver sem os nossos olhos
É ver além do retrato
Ver além do campo de visão
Meu olhar lento
Minha mãos pequenas
Não viam, não tocavam
A imensidão daquele instante
Mas a lente sim
Fez do momento, permanente
E me trouxe o que já era passado
Ela devolveu-me o tempo perdido
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