sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Sobre o ato de florescer

Eu adoro flores, posso passar horas olhando para uma, que o deslumbre não me deixa. Estava em uma feira de plantas apreciando uma orquídea branca, linda e perfumadíssima. A dona da obra de arte da natureza(apesar de plantas serem filhas da terra, e não posse dos homens) me disse que ela só perfumava à noite. Claro que a minha mente viajante não se conteve, e daí começaram as reflexões. Quando a moça me contou que a orquídea só perfumava à noite, eu perguntei se era por causa da escuridão ou das alterações do dia, em outros termos, se ela fosse colocada, ao meio-dia em um quarto escuro, passaria a exalar seu cheiro, ou o contrário, se à noite, ao acender a luz, ela perderia o aroma. A moça não soube me responder. Mas eu, pessoalmente, custo a crer que se possa enganar o pressentimento das flores.

Clarificou-se logo para mim o porquê delas serem brancas, ora, se elas perfumavam à noite, então eram flores que atraiam os insetos para fecundação à noite, e se o "flerte" dava-se na escuridão, precisariam mesmo do branco para sobressair. Simples, né? Para nós, humanos, nem tanto, pois em meio a tantos pre(conceitos), tantas fórmulas, e tanta racionalidade... acabamos por perder o encanto da flores. Nossas estações estão fora de ordem, perdemos o dia da primavera, e não florescemos mais. É isso mesmo, o verbo é "florescer", um místico medieval, Angelus Silésius(eu nunca tinha escutado falar, foi-me apresentado pelo Rubem Alves) disse assim: "A rosa não tem 'porquês'. Ela floresce porque floresce.". É isso mesmo, eu fico impressionadíssima com a inteligência da natureza, nunca escutei falar que uma onze horas(aquela flor que só floresce de manhã) tivesse acordado mal humorada e passado o dia fechada, ou que essas flores brancas da noite(são muitas!) esquecessem-se de perfumar. Por isso elas são encantadoras, por deterem a intuição inquebrável da natureza, elas não aprendem as leis, pois são a própria lei do universo em eterna e perfeita execução. O mundo pode ruir, as flores jamais se esquecerão do seu compromisso divino de nos prestar beleza.

4 comentários:

Anônimo disse...

Agradeço pelo aviso da nova postagem e pelo lisongeoso convite para comentá-la.

Vamos às questões.

Na postagem há duas Camilas. Uma, admiradora ingênua e pura das flores como dávidas naturais de perfume e beleza, e uma outra, cerebral e curiosa de entender os porquês por trás dos comportamentos das flores. A ambiguidade é bem captada na oposição entre a fórmula, romanticamente vazia de porquês, do "floresce porque floresce" e a explicação, inteligente e simples, do porquê da cor branca da flor que só perfuma durante a noite. No universo bucólico, poético e literário da primeira Camila, as flores se apresentam como essa materialização espontânea e descompromissada da beleza vadia da natureza. Já no universo lógico, racional e científico da segunda Camila, as flores são seres que polinizam e que se revestem da forma mais adequada para essa que é sua função ecológica natural. Numa curta postagem, as flores foram retratadas ao mesmo tempo como poeticamente inúteis e ecologicamente funcionais, como não tendo e tendo porquês ao mesmo tempo. A experiência imaginada do quarto escuro ao meio-dia, verdadeiro exemplo de raciocínio experimental, contrastando com admiração inocente e até certo ponto silenciosa das flores. Uma ambiguidade, sem dúvida, bem interessante.

(continua)

Anônimo disse...

Psicanálises de sua esquizofrenia lírica aparte, alguns comentários.

Tenho dúvida sobre essa coisa da beleza da natureza. Não que não ache que algumas das belezas mais sublimes são proporcionadas aos olhos pelos espetáculos naturais. Que sirvam de exmplos o pôr do sol, uma lua cheia, o reflexo dos astros na água, a dança das gotas de chuva etc. Só um completo insensível seria indiferente às manifestações de beleza que a natureza nos dá. Porém, tendo a concordar com Kant e Hegel que o belo natural só nos encanta como símile do belo artístico. O "dedo de Deus", em Teresópolis-RJ, por exemplo, seria uma obra de arte espetacular se tivesse sido intencionalmente esculpida. Contudo, não o foi. Uma cadeia acidental de eventos cegos gerou aquele resultado na rocha inerte, como poderia ter gerado qualquer outro. É o olhar humano que vê ali um dedo em riste. Para julgar o "dedo de Deus" uma bela "obra" da natureza, é preciso raciocinar "como se" (als ob) um artista humano ou semelhante ao humano, um sujeito racional, enfim, tivesse esculpido na pedra um dedo enorme, que lembre um dedo divino apontando pro céu, lembrando aos homens da direção certa para onde deveriam tender sua atenção e aspiração. Essa antropomorfização da natureza é o que permite apreciar o belo natural como se fosse belo artístico. Ou melhor, o belo natural só é possível como "belo" na medida em que é tomado em conta como se fosse belo artístico. Por isso, tenho minhas reservas quanto a expressar aprovação estética incondicional às "obras de arte" da natureza. Isso não me impede, ainda bem, de ser também um apreciador de flores. Inclusive, nesse exato momento, a imagem que está como papel de parede do meu notebook é de um "belo" jardim.

(continua)

Camila disse...

Como diz o Fernando Pessoa, o paradoxo não está em mim, o paradoxo sou eu. Eu estou eternamente fadada à essa tensão entre a ingenuidade contemplativa e os questionamentos racionais. Embora eu prefira a primeira, a segunda não deixa de me perseguir. Eu expliquei o que eu imagino ser o porquê das flores brancas perfumarem á noite, mas ressaltei as faltas de "porquês", porque essas digressões são puramente humanas, nós precisamos refletir atos, para perfumarmos, necessitamos de uma razão especifica, as flores o fazem intuitivamente.

Percebi que a minha esquizofrenia é compartilhada, você tem como fundo de tela um jardim e questiona a nossa apreciação da beleza genuína da natureza. Mas eu entendi perfeitamente o posicionamento, acho que chegamos naquela antiga discussão: a vida imita a arte ou a arte imita a vida?
Eu, amante de tudo que é belo, tenho plena convicção que a beleza sozinha não existe. Sim, as coisas simplesmente são, não são belas ou feias, boas ou más(o maniqueísmo nasce conosco). Pelo menos assim seria se o mundo fosse habitado somente por matéria irracional, mas ai surge o homem, e é nele que a beleza se cumpre. Nós somos o único medidor de beleza do universo, ai entra aquela frase, acho que dos sofistas(me corrija, por favor): "o homem é a medida de todas as coisas.". A beleza, precisa atravessar-nos para existir. Esse é o caráter humano que eu vejo na beleza.

Quanto a beleza natural ser beleza por sugerir um toque criador racional. Eu compreendo, mas não concordo, acho que o que a embeleza é justamente o mistério e a aparente casualidade, sim, porque ainda que hajam as leis da física, da biologia, da química, da matemática, sempre há algo de casual, pois não vemos(no máximo podemos crer) o dedo que toca e move tudo isso. As obras humanas são bonitas, só não são mais bonitas porque são propositais, pode-se imaginar o dedo do pintor pincelando as telas, as mãos de um poeta escrevendo sua obra, mas nem mesmo Kant, ou o mais racional dos homens, pode descrever ou manipular o mistério que faz uma flor florescer. É esse transcender da racionalidade que as faz bonitas.

ROQUE RASCUNHO disse...

Visualmente rico e cheio de aromas, muito bom, bravo!!! Ourivesaria total!!

Bj